Anuário da COMUNICAÇÃO CORPORATIVA | 2022

Anuário da COMUNICAÇÃO CORPORATIVA | 2022 12 ABERJE os seus representantes precisam trabalhar na construção de mecanismos institucionais que promovam a diferenciação entre as informações produzidas pela indústria da comunicação e das relações públicas das produzidas pela indústria das relações não-públicas. Pode ser que a participação da imprensa tradicional no espaço virtual tenda a produzir consequências benignas capazes de, com o tempo, contrabalançar esses problemas. Por si sós, a ampliação da oferta de conteúdo de qualidade na web, bem como alguma disseminação, no ambiente digital, do rigor no tratamento da informação característica do bom jornalismo tendem a fornecer contrapontos e produzir efeitos positivos capazes de auxiliar no estabelecimento de padrões de excelência mais elevados. Trata-se de uma aposta para o futuro. Pelo momento, o que é seguro afirmar é que o problema consiste no fato de que, se as mídias digitais facilitaram e ampliaram o acesso à informação, bem como multiplicaram os espaços de debate, elas também pulverizaram nossa capacidade de crítica e de checagem das informações – elementos que, aliás, são parte central das competências do jornalismo profissional. É verdade que pesquisas recentes indicam que os meios de comunicação gozam hoje de menos credibilidade do que no passado. Um desses levantamentos, o Edelman Trust Barometer 2022, sugere que o descrédito pesa mais sobre a mídia, entendida em sentido mais geral, do que sobre a imprensa tradicional em particular. Segundo o Trust 2022, enquanto a imprensa é considerada confiável por 57% dos entrevistados apenas 37% depositam confiança nas informações obtidas pelas redes sociais. Essa diferença não chega a ser surpreendente, se levarmos em conta que, com a emergência desses novos meios, tornou-se possível a virtualmente todo cidadão dar ampla publicidade a suas opiniões, veicular suas narrativas e expressar suas ideias, independentemente de seu conhecimento a respeito da área, de suas fontes etc. É de se perguntar o que se ganha com essa novidade. O preço a pagar parece excessivamente caro. Com efeito, ele termina por consistir em abrir mão do trabalho de jornalistas formados para acompanhar e investigar sistematicamente os assuntos de interesse público, treinados no monitoramento metódico da atuação dos poderes e das lideranças políticas, na seleção de notícias mais importantes, em sua análise e apresentação na forma de narrativas compreensíveis ao maior público possível, sem descurar de checar a fidedignidade de suas fontes. Dessas características, vale ressaltar, é que derivam a importância e a confiabilidade da informação veiculada pela imprensa tradicional. Pode-se dizer que o jornalismo, desde que realizado livremente e de acordo com as boas práticas consolidadas, não é apenas uma profissão, mas uma instituição necessária para a constituição de uma sociedade equilibrada. Não se trata aqui de romantizar esse ofício, mas, como já notava David Hume em termos característicos do século XVIII, cabe à imprensa livre instigar “o povo a frear a ambição da corte”, empregando toda “erudição e gênio” da nação em prol da liberdade, “mobilizando todos em sua defesa”. O que Hume parece ter percebido, com a sagacidade que lhe era peculiar, é que informar a população e contribuir para formar a opinião pública, sempre buscando fundamentos em argumentos sólidos, é uma função civilizadora da imprensa, pois impõe freios necessários ao poder e fixa obstáculos ao despotismo. Se esse diagnóstico é acertado para a Grã-Bretanha do Século das Luzes, ele vale ainda mais quando se trata das democracias liberais de hoje em dia. Com efeito, não é excessivo afirmar que o debate público, sistemático e racional acerca de assuntos que são de interesse geral da sociedade é um elemento fundamental para o êxito desses regimes políticos. Como bem indicou o filósofo alemão Jürgen Habermas, em seu clássico Mudança estrutural da esfera pública, é por meio dessa prática que se pode chegar a consensos e regras racionais que possibilitem ordenar as relações sociais e o exercício do poder político de forma mais justa e civilizada. A democracia demanda necessariamente a existência e a manutenção desse espaço privilegiado de discussão, onde o direito à informação é garantido e a crítica, livremente exercida. E o bom jornalismo, livre e independente, parece ser condição incontornável para sua existência e manutenção. O próprio Habermas, apesar de seu ácido diagnóstico acerca dos efeitos da comunicação de massas e das grandes corporações da área, foi um dos primeiros a ressaltar a importância que tiveram os jornais, ainda em meados do século XVII, na formação dessa esfera pública de debate. Apesar do advento das novas mídias, esse estatuto parece permanecer inalterado. Dado o seu padrão de excelência e a confiabilidade de que desfruta, assim como a sua vocação histórica, a imprensa tradicional ainda parece ser o meio privilegiado por onde se dá a melhor comunicação entre os diversos atores que entram na composição de sociedades grandes e complexas, como é o caso da brasileira. Empresas e outras instituições (públicas ou privadas) que desejem dirigir-se à comunidade, seja para anunciar suas marcas, seus produtos e serviços, seja para dar sua contribuição na perseguição do interesse público, deixando claro seu compromisso com o valor da responsabilidade social, precisam alinhar a escolha dos meios de que lançarão mão para realizar esses objetivos. Em tempos conturbados, como os atuais, a opção a ser feita parece ser mais que clara: não é o caso de descurar das mídias digitais, mas convém, tendo em mente aquela boa e velha dialética entre tradição e ruptura, nunca esquecer da relevância da imprensa histórica, cujos valores clássicos desde já devem ser apontados contra aquilo que a nova ordem digital tem de perverso e autofágico.

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