Anuário da COMUNICAÇÃO CORPORATIVA | 2020

128 Crise, engajamento e propósito em tempos de Covid-19 C rises mudam as empresas. A Covid-19 fez com que tivessem que adotar com- pulsoriamente o sistema de home office e enfren - tar outros desafios inéditos. Ao mesmo tempo, elas não puderam deixar de pensar no day after . Ou seja, no mo- mento em que o relaxamento da quarentena e outras medidas restritivas à convivência social se tornarem re- alidade, e que formatos inovadores de operação venham a ser postos em prática. Diferentemente de crises brasilei - ras a que nos acostumamos a assis - tir, com foco predominantemente político e/ou econômico, a pandemia surgiu como fenômeno global no campo da saúde e sur- preendeu a todos pela inexistência de referências capa- zes de neutralizar imediatamente seus efeitos rápidos e perversos. Uma retomada econômica, embora evidentemente desejada, será lenta e não isenta de dificuldades. Mas é possível fazer pelo menos uma previsão: o impacto da crise do novo coronavírus abrirá espaço para novas abordagens das empresas nas suas relações com as pessoas, aqui entendidas como seus próprios colabo- radores e a sociedade onde estão inseridas. Desde a eclosão da pandemia foi possível ver exemplos inéditos de empatia e solidariedade vindos do ambiente corporativo. Muitas empresas, algumas de limitado histórico em ações de cunho so- cial e outras tradicionalmente ati - vas nessa postura, mostraram-se igualmente comprometidas em fazer diferença. Tomaram inicia- tivas relevantes como doações de leitos e equipamentos hospi - talares, produção de álcool em gel, distribuição de máscaras de proteção e doação de alimentos para populações carentes, por exemplo. Quando a poeira começar a baixar será hora de perguntar: o que fazer como passo seguinte ao compromisso demonstrado no momento de emergência? Em- presas que praticaram empatia no pico da crise não poderão simplesmente voltar ao busi- ness as usual, como se nada tivesse acontecido. Terão que ajustar seu olhar sobre o mercado e a sociedade. Aqui, a palavra propósito ganha enorme significado, e a comunicação a ser praticada nesse contexto precisa ser caracterizada por especial capa- cidade de inovação e engajamento, refletindo valores genuínos. Bill Gates falava sobre os riscos de uma pandemia já em 2010. Ao longo dos anos alertou para a necessidade de se definirem processos preventivos e de capacitação para enfrentamento desse tipo de problema sem fron - teiras, em um mundo interconecta- do e interdependente. Ao insistir no tema, foi muitas vezes criticado por um suposto catastrofismo e falta de realismo. E uma pandemia veio, de fato. Ponto para a capacidade de Gates em sua leitura de cenários aparentemente improváveis, bem como na construção de uma narrativa consistente para lastrear sua visão sobre o tema. A crise da Covid-19 exigiu do ambiente corporativo a capacidade de multiplicar movimentos não relaciona - dos à tradicional busca por market share e resultados financeiros. Com isso, novas pontes puderam rapida- mente ser construídas entre o econômico e o social dentro de um mesmo território chamado cidadania. Mas tão importante como praticar empatia é colocar no radar corporativo a necessida - de de reanalisar (e, eventualmen- te, repactuar) relacionamentos com públicos de interesse. Isso significa decodificar adequada- mente os olhares e hábitos de indivíduos e grupos que vivencia- ram as ameaças e restrições típi- cas de uma pandemia. E, também aqui, trata-se de construir narrativas pelas quais as empresas consigam traduzir com - promisso, gerar confiança e es- treitar vínculos em relação a seus públicos de interesse. Cientistas gostam de lembrar que nossos cérebros preferem se - guir padrões e trabalhar com pre- missas que já conhecem. Mas essa zona de conforto representada por fazer mais do mesmo será um risco enorme se for a opção esco - lhida por lideranças das empresas para se relacionar com diferentes elos da sociedade, tanto neste in- certo 2020 como no imprevisível 2021. Já se sabe que nada será como antes. Portanto, não se pode tomar decisões de olho no retrovisor, nem exercitar a comunicação em suas diferentes dimensões com base nas premissas de sempre. Ciro Dias Reis Presidente da Imagem Corporativa e ex-presidente da Abracom

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